Não era você que eu esperava | Fabien Toulmé
Não era você que eu esperava é a primeira Grafic Novel do francês Fabien Toulmé, e nada melhor do que estrear mostrando ao mundo a história de amor e aceitação à sua filhinha Julia, que nasceu com uma trissomia 21, popularmente conhecida como Síndrome de Down.
É um título forte, que sintetiza a decepção de pais, que nunca esperam que seu filho possa nascer com alguma deficiência, mas em muitos casos elas são inevitáveis.
Falar sobre Síndrome de Down é raro na literatura, nunca tinha lido nenhum livro com essa temática. Contudo de extrema importância para a conscientização, informação, reflexão e preciosos ensinamentos sobre quebra de preconceitos e respeito às diferenças.
Confira o booktrailer:
O Mongoloide:
A história começa na década de 80 com um Fabien adolescente voltando da escola, e presenciando seus amigos hostilizarem um garoto deficiente, assustando-o e chamando de mongoloide.
Um termo comum e preconceituoso, que acompanhou várias gerações. E até hoje é terrivelmente usado para depreciar alguém.
Algumas reflexões maternas depois…
Fabien já é adulto, mora no Brasil, em João Pessoa. É casado com a brasileira Patrícia e esperam o segundo filho.
A expectativa do casal não gira em torno do sexo do bebê, mas se ele será “normal”, sem deficiências, sobretudo e obsessivamente a trissomia 21. Com isso, ao longo da história Fabien presta um grande serviço explicando a deficiência e os exames necessários para identifica-la ainda na barriga da mãe.
Destaque para os anseios do casal, mesmo que seja a segunda gravidez e, para a honestidade do pai que abomina terminantemente a possibilidade de o filho ser deficiente. Inclusive, inserindo cenas em que crianças e adultos com a síndrome são mencionadas, e o pai sempre dá um pitaco preconceituoso sobre aparência e capacidades motoras.
Alheio a essa expectativa, acompanhamos o Fabien viajante nato e que tem dificuldades de se adaptar e fincar raízes.
A gravidez de Patrícia é acompanhada por médicos brasileiros e ses e nenhum deles detecta doença alguma em Julia. Porém ela nasce não apenas com trissomia 21, como também com uma malformação cardíaca que precisará ser corrigida com uma cirurgia de risco. Mas nada disso importa ao pai, o que o abala de verdade é saber que a filha tem Síndrome de Down, desejando inclusive que ela não resista ao problema do coração e morra.
“O medo e a ignorância dessa “doença”, minha intolerância para com os deficientes, o olhar dos outros, meu desejo de não ter tido aquela criança, minha nova condição de pai de uma deficiente. Aquela não era a Julia que eu esperava.” (pág.78)
Enquanto o pai é resistente a aceitar a filha, a mãe com seu instinto faz o que pode para amá-la. Mas a grande lição quem dá Louise (de quase 4 anos), filha mais nova do casal, que representa a força da pureza da criança, livre de preconceitos e julgamentos, que acolhe a irmã sem notar qualquer sinal de diferença.
Não era você que eu esperava… Mas estou feliz por você ter vindo
A história apresenta o processo de amor e acolhimento da filha, pelo pai. Fabien é preconceituoso e não esconde nada do leitor. A aceitação dela só se dá de fato quando, às vésperas da cirurgia, os pais temem perde-la.
O amor é uma construção, e separar a criança da deficiência também. Esse desafio que os pais vão encarar para a vida toda. Fabien nos apresenta alguns desses desafios que nos fazem refletir sobre a maneira como enxergamos os deficientes (de um modo geral) e como somos afetados por preconceitos enraizados.
Fabien ama suas filhas, e elas também irão amá-lo muito, é um processo de troca, amadurecimento e autoconhecimento, que é brilhantemente dividido com o leitor.
Assim, anos depois, o xingamento “mongoloide” “retardado”, que antes não afetavam em nada o pai, am a tocar e mexer profundamente com o adulto Fabien, que fica transtornado ao ouvir as palavras saindo da boca de outras pessoas, mesmo que de “brincadeira”.
Faz parte do processo de empatia, se sensibilizar com as pessoas, mesmo que você não seja afetado diretamente. Contudo, é cada vez mais raro, sentir empatia sem estar envolvido. Precisamos praticar e uma forma de desenvolvê-la é lendo!
A HQ
Não era você que eu esperava é um livro para apreciar, degustá-lo pouco a pouco, absorvendo cada reflexão. O texto é simples e as ilustrações são um capricho a parte.
A paleta de cores dos quadrinhos muda conforme a situação vivida e o país que o personagem transita. No Brasil o amarelo vivo, alegre, predomina. Na França variando entre verde, cinza roxo.
As ilustrações e o texto proporcionam uma leitura agradável, que não apenas entretém, como tem um poder enorme de informar.
A Grafic Novel Não era você que eu esperava é uma publicação do selo Nemo da Editora Gutemberg.
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